Coronavírus é capaz de aderir a micropartículas no ar e ficar lá por até três horas, alertam especialistas; quanto maior a poluição, pior

E se, por um momento, você pudesse enxergar todas as micropartículas presentes no ar que respira, mas que normalmente não consegue ver a olho nu, se sentiria seguro? A melhor resposta para essa pergunta é ‘não’. Essas micropartículas não são apenas um indicativo de poluição. “Vários estudos mostraram que o coronavírus se deposita nessas partículas que estão circulando. Se tem uma pessoa doente e ela espirra ou tosse, o vírus se deposita nessas partículas e permanece por cerca de três horas”, alerta Nelzair Vianna, pesquisadora em saúde pública da Fiocruz, especialista em qualidade do ar e fiscal da Vigilância Sanitária de Salvador.

Após um ano de estudos sobre a covid-19 e sobre como o coronavírus infecta as pessoas, a preocupação com a qualidade do ar em ambientes internos – e, acredite, também externos – vem ganhando mais atenção de pesquisadores, ainda mais num momento em que governos vêm liberando a abertura do comércio e se prepara para um possível retorno das aulas presenciais.

Recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou um guia sobre como melhorar a ventilação em ambientes residenciais e não-residenciais, como uma forma de conter a proliferação do vírus. A Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, também lançou um guia sobre como medir a qualidade do ar em ambientes escolares, com estratégias para alcançar o nível ideal.

“Em qualquer lugar com uma baixa circulação, o ar vai ficar circulando só lá dentro, e as próximas pessoas que entrarem terão mais chance se contaminar”, explica o engenheiro especialista em qualidade do ar Leonardo Cozac. Diretor da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento, ele alerta: “A solução da qualidade do ar não é simples como lavar a mão e passa álcool gel, mas não se pode deixar de lado como se o problema não existisse”.

O que você precisa saber sobre a qualidade do ar:

1. Ao ar livre

As pessoas podem adoecer ao ter contato com superfícies contaminadas com o coronavírus, mas é principalmente pelo ar que o vírus se espalha e infecta o maior número de indivíduos. E não é só em lugares fechados que mora o perigo. Quanto maior a poluição em um lugar, maior a chance de que as pessoas adoeçam. Isso porque as gotículas de aerossol que carregam o vírus aderem ao material particulado que fica no ar. Esse material particulado pode vir da construção civil, queima de biomassa e até de queima de lixo.

“Tem as partículas grossas e essas partículas finas que ficam no ar, que a gente não vê. A que a gente tá preocupada é essa partícula fina, que com certeza, aí onde você está, tem um monte”, explica Nelzair Vianna, pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz e fiscal da Vigilância Sanitária de Salvador. Ela estava se referindo ao local onde estava a repórter, mas com certeza vale para você, que está lendo.

Nelzair explica que em locais com alta poluição, as pessoas já estão mais expostas a um nível maior de partículas e, caso tenham contato com um ambiente em que o vírus está presente, têm mais chance de contrair a covid-19.

“Essa população está mais exposta ao danos na poluição e as pessoas são mais vulneráveis, pois já existe um dano na defesa do organismo que facilita a entrada do vírus”, afirma.

Na prática, mesmo ao ar livre, quem vive em áreas industriais, por exemplo, corre mais risco de adoecer do que pessoas que vivem em ambientes com uma melhor qualidade do ar.

2. Em espaço coletivos, como shoppings

Em ambientes coletivos fechados, como supermercados, shoppings e bancos, o sistema de ar-condicionado central é fundamental para garantir uma troca constante de ar, impedindo que o vírus fique circulando no ambiente. “Ao contrário do que muitas vezes é dito, às vezes por falta de informação, o ar-condicionado central é um grande aliado no combate à covid-19”, explica o engenheiro civil e especialista em qualidade do ar interno Leonardo Cozac.

Diretor da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), Cozac explica que o filtro desses sistemas tem uma malha com uma capacidade de filtrar partículas muito pequenas, até mesmo o vírus, diferente da maioria dos aparelhos residenciais, os splits. “Para a gente ilustrar, é como comparar uma máscara de tecido com uma PFF2”, afirma.

Uma norma brasileira de 1998 obriga que os sistemas de ar-condicionado em espaços de uso coletivo tenham uma limpeza de filtros, pelo menos, uma vez por mês, obviamente não apenas por conta da covid-19, mas por diversas outras partículas que são captadas por esse sistema e precisam ser eliminadas. Mas há casos ainda mais específicos: pet shops, por exemplo, devem fazer uma troca de filtro com mais frequência, porque o pelo que fica no ar após as tosas tende sujar mais rapidamente o aparelho.

“Locais perto de uma avenida muito movimentada, ou perto de um porto, que movimenta muitos grão, vão precisar de uma troca maior. Depende de alguns fatores como, por exemplo, se é uma área onde circula muita gente ou pouca gente”, completa Cozac.

De acordo com Edson Piaggio, coordenador na Bahia da Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce), os centros de compras na Bahia já seguem as orientações gerais da associação, mas cada um pode desenvolver outras ações. “A orientação da Abrasce é que seja levado em conta o protocolo referendado pelo Hospital Sírio-Libanês, de troca constante de filtro, por exemplo. Isso oferece um ambiente mais tranquilo, mais limpo”, diz. Em relação à qualidade do ar, a entidade preconiza trocas mais frequentes dos filtros de ar-condicionado e, ainda, a instalação de pastilhas bactericidas.

3. Em casa

Se abrir portas e janelas não é a solução para manter a qualidade do ar em ambientes de grande circulação coletiva, essa é a melhor alternativa em casa. O problema é que, diferente dos casarões antigos em cidades históricas do Brasil, nem todos os imóveis mais recentes foram construídos para favorecer a ventilação natural. O ideal é que haja portas e janelas grandes, por onde o ar possa entrar e sair

A OMS explica que, em casa, os ventiladores de mesa ou pedestal são seguros quando usados num ambiente com membros da família não infectados. Eles podem, inclusive, ser posicionados próximos ao uma janela para aumentar a circulação do ar, segundo documento técnico divulgado em março. Mas, devem ser evitados com visitas. Nesses casos, melhor os de teto:

“O uso de ventiladores de teto pode melhorar a circulação do ar externo e evitar bolsões de ar estagnado no espaço ocupado”, diz a OMS.

Leonardo Cozac, da Abrava, explica que a maioria dos aparelhos de ar-condicionado residenciais, os splits, não são capazes de filtrar partículas muito pequenas. “É claro que se você trocar o filtro com mais frequência, melhor, mas em termos de proteção contra a covid, eu diria que os filtros dos splits têm eficiência zero”, afirma.

Em apartamentos, é possível também que partículas com o vírus circulem por tubulações. Nelzair Vianna afirma que há recomendações até para fechar as tampas dos vasos sanitários. “Quando você entra num banheiro e sente um cheiro, ali tem partículas também”, alerta.

Para Leonardo Cozac, sentir cheiros de apartamentos vizinhos não deveria ser comum, da mesma forma como não se deve ouvir barulho de apartamentos de cima ou de baixo. No caso do cheiro, é possível que o sistema de ventilação nas tubulações não esteja funcionando bem. É a hora de acionar o condomínio.

4. Nas escolas

Em outubro do ano passado, a Escola de Saúde da Universidade de Harvard, no Estados Unidos, elaborou um guia para medir a taxa de renovação do ar em salas de aulas e indicou que o mínimo necessário em escolas com até 25 estudantes por sala é de cinco renovações de ar por hora. Ou seja, dentro de 60 minutos, todo o ar presente naquela sala deve ser totalmente trocado pelo menos cinco vezes – seis vezes é o ideal.

O guia aponta algumas estratégias. Uma delas é incrementar a circulação de ar exterior, abrindo portas e janelas. Nas que têm ar-condicionado, o ideal é configurar o sistema para que utilize o máximo de ar exterior.

Outra possibilidade é trocar os filtros de ar-condicionado para aqueles do modelo MERV 13, de alta performance. Por fim, adicionar purificadores de ar nas salas com filtros do tipo Hepa, de preferência no centro da sala.

Na Bahia, as aulas presenciais não retornaram, mas a Secretaria de Educação do Estado informou que fez a adequação das unidades escolares aos protocolos, incluindo “a abertura das janelas e a instalação de ventiladores para melhorar a circulação do ar nas salas de aula”. O ar-condicionado foi vetado.

Já a Secretaria Municipal de Educação de Salvador informou que tem adotado soluções: “Em algumas salas de aulas foi necessário instalar sistemas de troca de ar, em outras é preciso estabelecer uma nova rotina para limpeza dos filtros de ar-condicionado”. As que não têm condições de ventilação natural terão que ser reformadas.

“Isso é uma coisa simples de fazer, é uma questão de adequação. Se a gente não tem vacina, ou tem pouca vacina, a única forma de controlar a pandemia seria evitar contato, evitar aglomeração, usar máscara, manter o distanciamento e o controle da qualidade do ar”, defende Nelzair Vianna.

5. Como se proteger?

A qualidade do ar e uma boa ventilação em espaços internos faz parte de uma série de medidas de prevenção e controle da propagação do coronavírus, mas só essas medidas não bastam, alerta a Organização Mundial de Saúde. O fato de as pessoas estarem em espaço bem-ventilados não impede que elas possam adoecer.

Por isso, no documento sobre circulação de ar em ambientes internos residenciais e não-residenciais, divulgado em março pela OMS, a organização afirma que as demais medidas de proteção não devem ser deixadas de lado, mesmo em locais bem ventilados.

“Uso correto de máscaras, higienização das mãos, distanciamento físico, etiqueta respiratória, testagem, rastreamento de contato, quarentena, isolamento e outras medidas são essenciais para prevenir a transmissão do Sars-Cov-2”, diz um trecho do documento da OMS.

Em espaços fechados, o melhor é usar as máscaras do tipo PFF2, com maior capacidade de filtragem de partículas. Esse respirador, como é chamado, pode filtrar 95% das partículas do ar e pode ser utilizado depois de ‘descansar’ por alguns dias. Mas, atenção, nada de lavar nem deixar que o respirador tenha contato com álcool ou sabão, porque eles deterioram o material.

Soluções com hipoclorito são indicadas para desinfectar superfícies, mas não deve ser usada diretamente na pele. “Aqueles túneis de desinfecção do início da pandemia são equivocados”, afirma Nelzair Vianna.

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