O mundo cobra soluções para a redução de emissões de gases de efeito estufa. Os sinais de uma situação incontrolável em que não haverá como a natureza repor o que está sendo destruído são cada vez mais evidentes. Edifícios com balanço energético nulos são, neste sentido, não apenas possíveis como absolutamente necessários. Mas o que são tais edificações?
“Existem diversas definições de net zero energy building mas a mais usada seria que é um edifício cuja produção de energia elétrica renovável é igual ou superior ao seu consumo de energia elétrica”, adianta Alberto Hernandez Neto, professor doutor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP.
O também professor doutor João Pimenta, da Universidade de Brasília (UNB), lotado no departamento de engenharia mecânica daquela instituição avança na definição. “De forma simples, um edifício com balanço energético nulo (net zero energy building – nZEB) é todo aquele com capacidade de autogeração de energia suficiente para suprir sua própria demanda, estabelecendo-se assim uma diferença liquida nula. Além disso, mais do que alcançar um balanço de energia, o conceito nZEB implica em edifícios sustentáveis, que utilizem fontes renováveis de energia, ao mesmo tempo em que garantem qualidades satisfatória do ambiente para seus usuários. Devemos, contudo, observar que não há consenso quanto à uma definição universal para o conceito nZEB, podendo-se aplicar diferentes métricas para desenvolver tal definição, como geração on-site, fonte de energia, emissões e custo.”
Mas como alcançar este grau de nZEB? Quais recursos utilizar? “Normalmente são aplicados painéis fotovoltaicos e microturbinas de geração eólica, porém usinas de biomassa também podem ser aplicadas de acordo com cada projeto. Uma das estratégias fundamentais para este tipo de solução é o projeto de eficiência energética. Edifícios inteligentes que utilizam menos energia ao adotar tecnologias como lâmpadas LED e sistemas de automação que garantem que somente será utilizado energia elétrica no momento correto, são capazes de viabilizar financeiramente a geração local tornando o edifício autossuficiente em termos de energia elétrica”, afirma Rafael Dutra, engenheiro de aplicação da Trane.
“De forma geral, o edifício deve apresentar elevada eficiência energética em seus diferentes processos (AVAC-R, iluminação, elevadores etc.) conduzindo a um consumo de energia global inferiores à 100 kWh/m2.ano, sendo essa energia gerada a partir de fontes renováveis”, sintetiza Pimenta.
Para que o edifício ganhe o grau de nZEB, Pimenta diz que a estratégia básica consiste em, primeiramente, reduzir o consumo de energia para, em seguida, implementar capacidade de geração baseada em fontes renováveis. “Para a redução de consumo, deve-se, ainda na fase de concepção e projeto, estabelecer critérios e metas bem definidas de eficiência energética, de tal forma que as diferentes equipes de projetistas (arquitetura, civil, elétrica, mecânica etc.) cooperem para alcançá-las através de soluções específicas. Em termos de tecnologias de geração, no atual estágio de desenvolvimento, a geração fotovoltaica se impõe, com potencial de desenvolvimento futuro de outras tecnologias como células combustíveis e geração térmica por concentradores solares. Além disso, são igualmente importantes medidas envolvendo comissionamento, campanhas de conscientização do uso racional entre os usuários, manutenção preventiva e preditiva, ajustes e aferições regulares, monitoramento e análise de desempenho contínuo.”
Automação e recuperação de energia
Assim sendo, completa o professor Hernandez, “toda e qualquer estratégia que busque reduzir o consumo de energia elétrica deve ser usada como meta para conseguir um net zero energy building. Dessa forma, o uso de sistemas de iluminação com dimerização (aproveitamento da iluminação natural), uso de sistemas de climatização eficientes com uso de sistemas de recuperação de calor com otimização de condições de operação.”
Ou, numa definição um pouco mais exaustiva, como é oferecida por Rafael de Moura, da Mercato Automação. Os pilares da net zero energy building são a arquitetura inteligente, materiais de construção de alta tecnologia e a geração de energia limpa, que somados buscam o equilíbrio para um ‘consumo zero’ de energia nos empreendimentos. Contudo, existe uma importante ferramenta que permite colocar em prática o que foi projeto de forma eficiente e eficaz, visto que existe uma demanda variável a ser atendida durante a operação do prédio. Em um empreendimento comercial temos que atender as demandas de ocupação, bem como as demandas que surgem em virtudes das variações externas, como dia ou noite, dia com sol ou sem sol, calor ou frio, dentre outras variáveis. Nestes pontos, a automação entra como uma excelente aliada de toda tecnologia construtiva e arquitetônica aplicada na construção, para realizar as tarefas de forma racional, conforme projetado, e atender as demandas variáveis do empreendimento durante sua utilização. Controlar persianas, iluminação, renovação e tratamento do ar, e climatização dos ambientes, são algumas das funções que um sistema de automação contribui na busca da melhor eficiência de utilização dos recursos. Outro ponto que podemos ressaltar a importância da automação é a necessidade de medir para poder controlar, e somente controlando os insumos e as variáveis poderemos gerenciar de forma sustentável os recursos que se fazem necessários.”
Pimenta diz que em um edifício convencional, a automação predial tem tipicamente a função de controlar os diferentes processos, componentes e sistemas a fim de manter os valores desejados de temperaturas, vazões etc., bem como assegurar uma operação econômica e segura. “Em uma edificação nZEB, o sistema de automação e controle tem esse mesmo papel, mas, um enfoque maior deve ser colocado na otimização das variáveis operacionais a fim de maximizar uma função objetiva relacionada à eficiência energética, tendo como restrições os limites de QAI e conforto térmico a serem atingidos, capacidade de geração instalada no edifício etc. O alcance da automação predial vem sendo rapidamente expandido com a implementação do conceito de Internet das Coisas, tirando proveito de uma análise mais detalhada da integração entre os diferentes sistemas em uso no edifício. Graças a algoritmos de machine learning e big data, decisões de controle podem ser definidas visando maximizar a eficiência energética global do edifico.”
Bo Andersson, diretor da Heatex, vai pelo mesmo caminho. “O consumo da energia do prédio deve ser minimizado, facilitando a implementação de geradores da energia renovável, suficientes para zerar o balanço energético sobre o ano. Para alcançar o balanço energético, o projeto pode ser trabalhado em 3 passos: 1) um prédio eficiente que minimiza a infiltração de calor e umidade, 2) equipamentos e sistemas de alta eficiência, minimizando o seu consumo da energia e, 3) sistema de produção da energia renovável. Vale a pena salientar que isto não é um processo em sequência e devem ser trabalhados simultaneamente, em paralelo.”
O diretor da Heatex alerta que já existem várias tecnologias para minimizar a infiltração de calor e umidade, e até utilizar luz e ar externo quando for favorável. “Um prédio bem construído vai diminuir as capacidades dos consumidores de energia, como o sistema AVAC, as lâmpadas, e outros maquinários. Um prédio típico no Brasil pode ser desenhado com uma carga térmica interna de 1000 ton. Neste caso, com um prédio eficiente, deve ser possível minimizar esta carga com até 30% ou mais, minimizando a carga térmica interna para 700 ton. Isto economiza na capacidade do sistema AVAC, também com 30%, resultando em menor consumo de energia.”
Lembrando que o sistema AVAC é o grande consumidor de energia, Andersson chama a atenção para o fato de que exatamente por isso é ele quem mais pode ajudar a alcançar o balanço energético zero no prédio. “Existe vários tipos de sistemas AVAC, e um prédio com balanço energético zero deve aplicar os mais eficientes com menor consumo de energia. Por exemplo, um prédio com a carga térmica interna de 1000 ton pode ser equipado com um sistema AVAC de 1600 ton como padrão, ou seja, 600 ton acima da carga térmica interna. Esta capacidade serve para resfriar o ar externo do sistema de ventilação, e desumidificar o espaço interno. Mas, com tecnologias eficientes, pode ser possível reduzir a sobre carga a até 100 ton, ou seja, um prédio com 1000 ton de carga térmica interna utilize um sistema AVAC com apenas 1100 ton. Levando em conta um prédio bem isolado, a capacidade do sistema AVAC pode cair para apenas 800 ton, metade da capacidade de 1600 ton pelo sistema AVAC padrão. Isto também resulta em uma grande economia dos custos do sistema AVAC.”
Dentre as estratégias para elevar a eficiência do sistema, Andersson cita a diminuição da vazão do ar circulando no prédio, utilizando ventiladores de alta eficiência. “Um outro jeito é de aplicar a tecnologia DOAS, utilizando a roda entálpica e roda dessecante para resfriar ar externo e desumidificar o ambiente interno do prédio. São tecnologias existentes deste 40-50 anos atrás, disponíveis no Brasil.”
Afinal, segundo Hernandez Neto, “uma edificação que busca a condição de net zero energy deve passar por um processo de redução de consumo de energia de forma a reduzi-lo o máximo possível. Dessa forma, o investimento em fontes de energia renovável será minimizado de forma a reduzir o tempo de retorno desse investimento.”
“Diversas tecnologias têm se mostrado eficientes para auxiliar na meta de net zero energy building como: resfriadores com mancais eletromagnéticos, sistemas de recuperação de calor, uso de sistemas de climatização solar (uso combinado de ciclos de absorção e coletores solares para geração de água quente e/ou vapor) e uso de sistemas de resfriamento geotérmico”, completa o professor da Poli-USP.
Dutra, da Trane, alerta para a necessidade da edificação existente passar por um processo de avaliação de suas instalações e modo de operação que seja capaz de identificar oportunidades de redução de consumo energético. “Esta avaliação deve alimentar um projeto que irá consolidar as modificações e melhorias na edificação com as tecnologias de geração de energia que se adequem à realidade de espaço disponível e custos. O desafio nesta etapa é comprovar adequadamente por meio do projeto que o conjunto de melhorias e a capacidade de geração de energia elétrica no local conduzam a edificação à realidade de uma edificação autossuficiente ou net zero. Demonstrada a viabilidade e desenvolvido um projeto robusto segue-se a instalação dos equipamentos. Um desafio atual é o cenário regulatório brasileiro que dificulta bastante uma série de oportunidades para este tipo de instalação, portanto um consultor experiente deve ser contratado para evitar surpresas durante a operação desta edificação. “
Entretanto, Pimenta entende que edifícios construídos com tecnologias ultrapassadas podem demandar alterações por vezes muito onerosas que inviabilizam que o grau nZEB seja alcançado. “Além disso, limitações físicas como clima local desfavorável e área insuficiente para captação e geração solar, contribuem para inviabilizar a transformação. Contudo, ainda que não seja possível atingir grau suficiente para a classificação como nZEB, será possível encontrar soluções que melhorem substancialmente o balanço de energia do edifico, o que, de qualquer forma representará um ganho para o proprietário e a sociedade de forma geral.”
O papel do AVAC-R
O engenheiro de aplicação da Trane recomenda que sejam explorados os conceitos mais modernos de sistemas de AVAC-R. “Sistemas de vazão de ar e água variáveis, reset de setpoint de temperaturas e pressões, utilização de maiores DT e consequentemente menores vazões de ar e água e outras estratégias, tudo de acordo com um sistema de automação moderno que seja capaz de fazer os equipamentos se ajustarem à demanda da edificação, mitigando desperdícios. Dessa forma reforço que a automação é a tecnologia mais importante a ser adotada para atingir este grau de net zero, entretanto, deve ser uma automação que possua em seus algoritmos de forma adequada todo o conhecimento de sistemas de AVA-R e como estes devem operar.”
“Qualquer tecnologia de AVAC-R que apresente elevada eficiência energética e baixo impacto ambiental favorece o alcance do conceito nZEB; é algo intrínseco. Entre essas tecnologias podemos citar em particular as seguintes: recuperação térmica por rodas entálpicas, sistemas de ar exterior dedicados (DOAS), resfriamento radiante, Ddifusão do ar por deslocamento, esquemas de free cooling, recuperação de energia etc. Tais tecnologias encontram-se disponíveis e têm sido adotadas por alguns projetistas, em empreendimentos que buscam alcançar níveis de eficiência energética elevados. Devemos, contudo, observar que, por mais eficiente que seja o sistema de AVAC-R, a energia consumida por este resulta não apenas da eficiência de seus componentes, mas, sobretudo, da carga térmica que lhe é imposta. Dessa forma, para alcançar o grau de nZEB é vital contar com uma envoltória da edificação de alto desempenho, que adote soluções de climatização passiva dos ambientes, iluminação natural etc.”
leia a matéria direto da fonte no Portal Engenharia & Arquitetura / Revista