O desafio logístico para a vacina contra a Covid-19 da Pfizer, que necessita de conservação a -75ºC, é comparável, segundo especialistas, às dificuldades para obtenção de respiradores no começo da pandemia. Este foi um dos motivos apontados pelo governo federal para não priorizar a compra do imunizante. No entanto, como naquela vez, é possível equacionar esta logística, com planejamento, investimento e prioridade política, aproveitando as brechas que a própria fabricante dá no transporte e armazenamento das vacinas, e incentivando a fabricação de super refrigeradores.
Na última quarta-feira o Reino Unido se tornou o primeiro país ocidental a aprovar o imunizante contra a Covid-19 e a anunciar o início da vacinação em massa na próxima semana. O Brasil, no entanto, não fechou acordo com o laboratório, que estabeleceu parcerias com, entre outros, México, Chile e Costa Rica. As informações são d’O Globo.
— Nenhum país tinha uma estrutura pronta para receber e distribuir vacinas a -70ºC. Mas com planejamento é possível — ressalta Gonzalo Vecina Neto, sanitarista da USP e fundador da Anvisa. — Se a Pfizer oferecer ao Brasil 50 milhões, 100 milhões de doses, claro que será possível resolver a logística. É complexo, mas todos os países estão fazendo.
Vecina Neto afirma que tudo depende dos detalhes que ainda não foram esclarecidos. Não se sabe, por exemplo, se o tempo de transporte, possivelmente em contêineres, entre a fábrica e o Brasil, contariam nos 15 dias em que o imunizante poderia ser armazenado em gelo seco. O sanitarista lembra ainda que mesmo a produção de gelo seco não é algo trivial, mas possível de se fazer.
Para ele, o Ministério da Saúde está jogando fora algumas soluções pelo fato de a pasta ter se tornado “um órgão burocrático, sem condições de tomar decisões políticas”. Gonzalo Neto considera que o ministério não “negociou direito” com os grandes laboratórios. E que “a única coisa que eles não sabem descartar é a hidroxicloroquina”:
— A questão toda é que o debate da vacina está politizado e ideologizado. Do ponto de vista técnico, o país precisava estar conversando com todos os fabricantes, ver opções. Uma coisa é a Pfizer entregar todas as doses em um depósito central e a distribuição ficar sob cargo do governo federal, outra é negociar com o laboratório a entrega em diversos pontos do país.
Oswaldo de Siqueira Bueno, engenheiro mecânico e consultor da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), lembra que o Brasil tem capacidade para construir os ultra freezers necessários para a vacina, além de insumos para tal.
O engenheiro afirma que, dada a prioridade do governo, soluções alternativas poderiam ser adotadas para transformar esta logística em algo mais simples.
— Um dos grandes problemas destas temperaturas ultra baixas é a umidade. Isso pode ser minimizado se colocarmos os ultra freezers dentro de câmaras frias que j[a existem no país — diz Bueno, acrescentando que, dependendo da demanda, os equipamentos poderiam ser fornecidos em prazos entre 60 e 90 dias.
Em entrevista à Bandnews, Cristiano Zerbini, coordenador da Pfizer e diretor do Centro Paulista de Investigação Clínica, afirmou que a necessidade de armazenamento do imunizante a baixas temperaturas não é um impeditivo para a distribuição de sua vacina no Brasil. Ele citou como exemplo a vacinação contra o ebola na África, região com menos estrutura que o Brasil, mesmo com o imunizante precisando ser armazenado a -80ºC.
Entretanto, nem todos os especialistas concordam que o esforço vale a pena. A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou por dez anos o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, acredita que a vacina da Pfizer é inviável para o país. Além da refrigeração, há grandes desafios de transporte e seu custo é mais caro — a dose é estimada em R$ 106, contra R$ 56 da Coronavac e algo entre R$ 16 e R$ 22 do imunizante da Astrazeneca.
— Se fosse a única opção, como foi no caso do ebola, valeria a pena o investimento nestes refrigeradores, que são caríssimos, mas o Brasil já tem acordo com outras duas vacinas muito mais adequadas — destaca. — Não faz sentido criar uma estrutura gigantesca que depois terá pouco uso.
Domingues, porém, defende que empresas e clínicas privadas incluam o imunizante em sua rede no futuro.
No resto do mundo a corrida pelos ultra-freezers parece com a dos respiradores. A Ford anunciou que vai produzir freezers ultra frios. Muitos estados começaram, em agosto, uma corrida por estes equipamentos, que são vendidos nos EUA a cerca de US$ 20 mil cada um (R$ 108 mil). O Washington Post publicou reportagem indicando que, para ter uma cobertura vacinal da Pfizer em todo os EUA, seriam necessários cerca de 50 mil destes freezers.
Matéria com participação do Eng° Oswaldo Bueno para o Jornal O Globo
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Especialistas defendem criação de estrutura para vacina da Pfizer