Criado para solucionar um problema de umidade em 1902, o ar-condicionado se tornou um produto de primeira necessidade em muitos lugares do mundo. Ele regula a temperatura, controla a umidade, renova e filtra o ar do ambiente e o distribui de uma forma que evita bolsões de ar parado. Além de fazer a climatização ambiente, que é como se chama o uso do ar-condicionado em casa, os sistemas e equipamentos de refrigeração estão na indústria, no comércio e no setor de serviços, permitindo que fábricas, hospitais, supermercados e instituições de ensino, por exemplo, possam atender melhor a sociedade.
Só que o alívio tem seu preço, literalmente. O equipamento consome muita energia, o que produz gases de efeito estufa. Tem ainda o fato de a máquina utilizar fluidos refrigerantes para funcionar, especialmente os hidrofluorcarbonos (HFCs), que são eles próprios gases de efeito estufa. Problemas de instalação, acidentes ou a destruição da máquina fazem com que esse gás vaze lentamente para a atmosfera. Assim caímos numa armadilha: o ar-condicionado contribui para o aquecimento do planeta do qual ele tenta nos proteger.
Para resolver esse dilema, o Global Cooling Prize ofertou US$ 1 milhão para quem desenvolvesse uma tecnologia de resfriamento capaz de produzir cinco vezes menos gases de efeito estufa ao longo de sua vida útil do que uma unidade doméstica padrão. A competição durou de novembro de 2018 a abril de 2021 e teve dois vencedores entre oito finalistas (ao todo, foram 139 inscrições técnicas de 31 países). A iniciativa foi patrocinada pelo Departamento de Ciência e Tecnologia da Índia, onde a competição aconteceu, além do Rocky Mountain Institute (RMI), uma coalizão de 24 países e Richard Branson, fundador e CEO do Virgin Group.
O Relatório de Emissões de Refrigeração e Síntese de Políticas, publicado pela ONU e pela Agência Internacional de Energia (IEA) em 2020, aponta que a redução da produção e uso desses gases em 85% poderia evitar 0,4°C de aquecimento global até 2100. O compromisso foi assumido por 130 países na Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio.
Até 2050, medidas de eficiência energética e adoção de gases refrigerantes menos poluentes podem deixar de gerar de 210 a 460 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. Se os aparelhos de ar-condicionado tiverem o dobro da eficiência energética atual, isso reduziria a necessidade de 1.300 gigawatts de capacidade adicional de geração elétrica para atender à demanda – o equivalente à produção das termoelétricas na China e na Índia em 2018. A redução dos custos de geração, transmissão e distribuição de eletricidade somaria US$ 2,9 trilhões.
Ar-condicionado: hoje existem 3,6 bilhões de unidades de ar-condicionado em uso no mundo. — Foto: Joshua Tsu/Unplash
Os dados são do relatório O Futuro da Refrigeração, também da IEA. A previsão é que o consumo de energia derivado dos aparelhos de ar-condicionado triplique até a metade do século. Nos próximos 30 anos, a expectativa é que sejam vendidos 10 equipamentos por segundo. “A crescente demanda por condicionadores de ar é um dos pontos cegos mais críticos no debate atual sobre energia”, disse Fatih Birol, diretor executivo da AIE na época de lançamento do estudo. “Definir padrões de eficiência mais altos para a refrigeração é uma das etapas mais fáceis que os governos podem tomar para reduzir a necessidade de novas usinas de energia, reduzir emissões e reduzir custos ao mesmo tempo”, afirma.
Hoje existem 3,6 bilhões de unidades de ar-condicionado em uso, e se todas as pessoas que precisam de refrigeração tiverem acesso serão necessários 14 bilhões de aparelhos até 2050 – mas nem todos têm acesso. O mundo tem 1,05 bilhão de pessoas de baixa renda que correm riscos devido à falta de refrigeração, segundo relatório da Sustainable Energy for All. Uma pesquisa feita no Brasil, Índia, Indonésia e México revela que, até 2040, entre 64 e 100 milhões de famílias não serão capazes de atender às suas necessidades de refrigeração.
Por isso, políticas públicas e novas tecnologias são fundamentais para garantir soluções térmicas a todos, sem agravar o aquecimento global.
Ar-condicionado sustentável
“Várias tecnologias de refrigeração vêm sendo introduzidas, com destaque para sistemas inverter, uso de gases refrigerantes que permitem operação mais eficiente, automação para ajustar a temperatura com mais precisão, materiais de melhor concepção de fabricação e operação, dentre outras, que resultam na operação final de equipamentos com maiores índices de eficiência energética e menores índices de consumo de energia”, afirma Arnaldo Basile, engenheiro e presidente da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), que representa as empresas do setor no Brasil e no exterior. Segundo a entidade, 65% dos equipamentos residenciais de ar-condicionado comercializados no país hoje são considerados de última geração, uma taxa que cresce de 15% a 20% ao ano.
Além do aparelho em si, é importante que casas e edifícios sejam construídos com materiais de isolamento melhores e que sejam projetados para evitar o uso ou reduzir a necessidade de ar-condicionado. A arborização urbana e a manutenção de espaços verdes diminui o efeito da ilha de calor e reduz a temperatura nos ambientes abertos na cidade. A aplicação de jardins verticais e telhados verdes, com plantas, também produz esse efeito. Outra forma de amenizar o calor na rua é com pequenos lagos, fontes, jatos d’água e vaporizadores.
Dentro de casa, a economia de energia pode vir de várias formas e depende do perfil de comportamento de cada pessoa, de quantos aparelhos estão instalados e em uso, da faixa de temperatura ajustada no controle, das condições de limpeza dos filtros de ar, se a pessoa mantém portas e janelas fechadas e se os ambientes são ensolarados ou não, entre outros. “É preciso considerar o uso correto, como explicado nos manuais de instalação e operação fornecidos juntamente com os aparelhos. De nada valerá dizer que uma unidade residencial teve incremento de 30% de consumo de energia, por exemplo, se seus usuários não respeitarem as condições corretas de instalação e uso”, alerta Arnaldo.
Antes de comprar, é preciso analisar as informações sobre o consumo de energia e a classificação do produto quanto à eficiência energética. Graças ao Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE), do Inmetro, cada equipamento tem uma Etiqueta Nacional de Conservação de Energia (ENCE) que traz esses dados. Para Hércules Souza, chefe da Divisão de Estudos e Verificação Técnica-Científica do Inmetro, o PBE contribui para a inovação da indústria, porque “o consumidor prioriza produtos menos consumidores de energia, e a indústria passa a desenvolver e fornecer produtos mais eficientes, cada vez mais próximos da classificação A”, afirma.
Desde 2020, o PBE para condicionadores de ar está numa fase de transição. A Portaria Inmetro nº 234 aumentou o rigor para a classificação do produto quanto à eficiência energética e introduziu uma nova métrica para o cálculo do índice de eficiência, o Índice de Desempenho de Resfriamento Sazonal (IDRS). O que muda é que, a partir de 1º de janeiro de 2023, os fornecedores deverão fabricar ou importar apenas produtos que tenham a nova etiqueta ENCE, já com base no IDRS.
“Com as melhorias implementadas, esperamos aumentar no mercado nacional a disponibilidade de modelos de maior eficiência energética e estimular a aquisição, pelos consumidores, de produtos de menor gasto de energia”, diz Hércules. Com base na nova metodologia, a classe A deve comportar apenas os condicionadores da tecnologia inverter. Em 2019, o Inmetro ensaiou 34 produtos inverter, de nove fornecedores, e identificou que 37% deles alcançariam o novo A neste ano de 2022. Segundo Hércules, a estimativa é que o aperfeiçoamento do programa gere uma economia de energia de mais de 56 GWh até 2035 e uma redução da demanda de energia no horário de pico equivalente a três usinas termoelétricas de Santa Cruz, no Rio de Janeiro.
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