Já em 1550, sabia-se que a ventilação de um ambiente era algo de grande importância. Os jesuítas escreviam cartas a todos os dias descrevendo a sua rotina, o que programaram fazer, o que foi feito realmente. Um fato curioso está relatado na carta:

“Ânua da Província do Brasil, de 1583, do Provincial José de Anchieta ao Geral P. Cláudio Acquaviva. Bahia do Salvador, 1º de janeiro de 1584.

Colégio da Bahia

…Nada de novo foi acrescentado ao edifício do colégio, a não ser uma enfermaria, bastante espaçosa, exposta por ambos os lados ao ar fresco e salutífero.”

A carta escrita por José de Anchieta, destaca que na enfermaria com janelas de ambos os lados, a livre circulação do ar entre os doentes, fez-se notar que curiosamente os doentes se recuperavam de forma mais rápida, Anchieta achou tão bom, que registrou o assunto em uma das suas cartas, tornando o fato histórico sobre a importância da ventilação do ar nos ambientes. A questão é que a renovação do ar por meio da corrente do ar que se formou entre uma janela e a outra, permitiu a diminuição da contaminação por vírus ou bactérias entre os doentes.

Livro Cartas de Anchieta

A ventilação e qualidade do ar são assuntos em pauta sob diversos aspectos, mas, devido a sua relevância, ganha destaque quando se refere a saúde das pessoas em ambientes assistenciais de saúde. E, dentro deste contexto existem algumas normas e recomendações das boas práticas, entre elas a NBR 7256.

A NBR 7256

No ano de 2005, a ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas publicou  a primeira revisão técnica da NBR 7256 de 1982, a mesma refere-se ao “Tratamento de ar em estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS) – Requisitos para projetos e execução das instalações”, que foi elaborada pelo Comitê Brasileiro de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento CB-055 de responsabilidade da ABRAVA – Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento.

De acordo com as diretrizes da ABNT, toda norma deve ser colocada em evidência de 5 em 5 anos para consulta se há a necessidade de revisão, ou em outros casos, quando algo de grande relevância é destacado para discussão.

Neste contexto, NBR 7256 entrou em revisão em 2012, e desde então a Comissão de Estudo está dedicada ao assunto, a previsão é que a mesma entre em consulta pública nacional até o final deste ano. A comissão de estudo é formada por renomados profissionais de diversas esferas de atuação com a presença da indústria, engenheiros, projetistas, arquitetos, médicos, enfermeiros, profissionais de campo, provenientes de diversos pontos do país

O eng° Mário Alexandre Moller Ferreira, da Engenharia Projetos Avançados e Coordenador do grupo de trabalho para revisão da NBR 7256 relata que “Sentimos uma grande responsabilidade com a revisão desta norma, pois está ligada diretamente à saúde das pessoas. Mas, vemos que existem muitos entraves, pois estamos falando de ambientes privados ou governamentais, e quando a questão é com o governo a dificuldade aumenta ainda mais, devido a realidade financeira do País, Estados e Municípios, pois são diferentes e em proporções distintas. Fazer-se cumprir às normas, torna-se um desafio para toda cadeia de envolvidos, desde o projeto até a manutenção deste tipo de ambiente”.

A NBR 7256 é obrigatória para os novos EAS e para os que sofrerão reformas, garantindo assim que o tratamento do ar aconteça da maneira adequada. A norma determina quais são as práticas de segurança a serem seguidas para garantia adequada do ar para ambientes relacionados à assistência de saúde.

Refere-se basicamente, a necessidade de cuidar das condições do ar em cada um dos locais determinados, classificados à princípio como triagem, ambientes de tratamentos como UTIs, salas de repouso, ambiente isolados, entre outros

Em linhas gerais, a NBR tem como objetivo evitar a contaminação em ambientes pelo ar, evitar a proliferação de microrganismos e garantir a pureza do ar.

A necessidade da revisão da NBR 7256

Assim como a revolução tecnológica que acontece no dia a dia em vários segmentos, no ambiente médico/hospital também surgem novidades como novas tecnologias, novos caminhos que apontam melhorias e soluções para problemas existentes, e em determinado momento dá-se a necessidade de se revisão de uma norma.

A NRB 7256 entrou em revisão em 2012, e desde o início dos trabalhos da revisão, o grupo de trabalho se reúne para discussão dos principais pontos para a revisão. A formação do grupo é multidisciplinar em termos de profissões e formações, e conta com a participação de engenheiros, arquitetos, médicos, enfermeiros, entre outros.

De acordo com o eng. Oswaldo Bueno, consultor da ABRAVA e coordenador do CB 55, que fez a menção à carta de José de Anchieta no início deste texto, “O principal desafio para a revisão desta norma é alinhar o conhecimento das matérias ou informações, pois mantemos um grupo com diversos especialistas com diferentes tipos de experiências. Cruzar informações como tipos e tamanhos de bactérias com tipos de filtros adequados a necessidade e a realidade para que se tenha um ar adequado nos ambientes é desafiador. E, por este motivo, estamos demorando nesta revisão, precisamos ter um consenso sobre as necessidades e formas de viabilizá-las, e para isto o grupo precisa trabalhar na mesma direção, para que então tenhamos enfim a norma revisada”.

Um dos pontos considerado para revisão foi a inclusão de novas bibliografias com referências sobre engenharia, área médica como a parte epidemiológica, o que apresentou novos parâmetros e contribuiu com mais subsídios às diretrizes propostas para a norma.

A importância do projeto, arquitetura e instalações no contexto da qualidade do ar respirado em ambientes médicos

Entre os vários pontos apontados para revisão da NBR está a arquitetura local, pois foram identificados ambientes com necessidades específicas para o tratamento do ar como a recepção, que é a primeira área de acesso de um paciente, e que antes não tinha a atenção adequada em relação ao ar respirado no ambiente, mas, foi incluída, pois é pela porta de entrada que chegam os pacientes com diferentes tipos de doenças e graus de necessidades de atendimento no ambiente hospitalar.

Segundo a arquiteta e Dra. Mônica A. Melhado, do MoAM Archi + Design, doutora em Building Phisics and Systems pela TU/e e especialista em Arquitetura de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde (EAS), a relação da arquitetura, do fluxo de pessoas e a qualidade do ar interior em ambientes de saúde sempre estiveram sob o seu olhar. EAS são espaços complexos e dinâmicos que requerem atenção especial em relação a qualidade do ar interior e ao controle do ambiente para minimizar o risco de transmissão de infecção através do ar. Esta atenção é essencial desde o planejamento, nas fases de projeto e comissionamento, e ao longo do ciclo de vida do edifício.

Mônica cita também a importância de arquitetos e engenheiros trabalharem juntos e a necessidade de uma boa comunicação entre as diferentes fontes envolvidas no processo de projeto. A Norma atualizará e complementará dados importantes que devem ser contemplados em projetos de Sistemas de Condicionamento de Ar e Ventilação, os quais foram definidos considerando os desenvolvimentos nas áreas envolvidas, normas e pesquisas recentes nacionais e internacionais. A implementação das recomendações presentes na NBR 7256 e normas complementares é fundamental para o bem-estar, saúde e segurança dos pacientes, dos profissionais da área de saúde e visitantes em EAS.

Os estabelecimentos de saúde contam com diversas áreas/setores como o de emergência, recepção e triagem que devem contemplar instalações que apresentem 100% de renovação total do ar, com o objetivo de inibir a propagação de quaisquer tipos de contaminação, pois são nestes setores que chegam pacientes com diversos perfis, como com doenças transmissíveis, doenças respiratórias, acidentes variados, gestantes, crianças, idosos, pacientes estes, que precisam ter garantida o mínimo de proteção, até que sejam separados de acordo com a patologia apresentada, grau da doença  e necessidades.

O eng. Martin Lazar, da RML Engenharia e editor da Revista da SBCC – Sociedade Brasileira de Controle de Contaminação chama atenção para as responsabilidades de cada um dos agentes envolvidos na viabilização de funcionamento de estabelecimentos assistenciais de saúde “Um dos grandes objetivos da revisão desta norma é fazer um elo entre o arquiteto, o projetista de ar condicionado e responsável pelo ambiente hospitalar. É preciso ter a conscientização, de que o que está descrito na norma precisa ser cumprido, sem ter que pensar se haverá uma fiscalização ou não. O que tem que ser feito é cumprir as exigências mínimas da norma, necessárias a oferecer segurança a todos, quando o assunto está relacionado ao ar que se respira no local, proporcionando garantias de um ambiente seguro para todas as pessoas, corpo clínico, operacional, pacientes e acompanhantes.

Outro aspecto a ser observado é o aumento dos custos, sejam eles para o hospital/clínica, paciente ou convênio médico, eventualmente ligados ao não cumprimento dos requisitos exigidos na norma. O gasto é previsto em diferentes esferas e proporções: no operacional do ambiente, a falta de manutenção e má operação dos equipamentos elevam o aumento de conta de energia até a abreviação de seu  tempo de uso; absenteísmo do corpo clinico e operacional devido a doenças adquiridas durante o trabalho, custo de infecção de pacientes para todos os envolvidos, além do tempo perdido  com a nova patologia.

Vale lembrar que no início de concepção de um novo ambiente, é de extrema importância que o cliente, engenharia e arquitetura estejam juntos para a definição dos pontos necessários ao atendimento das normas existentes, assim como para o planejamento adequado e a ausência de surpresas indesejadas ao longo do processo. Para as obras em edifícios antigos e em funcionamento, o processo é ainda mais complexo por conta de mudanças na estrutura e do novo layout. Propostas arquitetônicas aliadas aos sistemas de climatização e ventilação tendem a garantir projetos mais eficientes no cumprimento do objetivo inicialmente determinados.

O tipo de ar respirado em cada um dos ambientes assistenciais de saúde

Para Oswaldo Bueno, o foco da revisão da NBR 7256 é baseado no tipo de ar de circulado em cada um tipo de ambiente “Qual é a característica daquele ambiente? É um ambiente protetor? É um ambiente com pessoa contaminada?  Vamos usar pressão positiva ou pressão negativa? Qual filtro de ar, usar? Então é listado uma série de itens. A norma dá uma diretriz na hora de conceber o ambiente, constam tabelas que resumem as características dos ambientes e suas descrições.  Se é um ambiente protetor, quais as suas características. Se o ar será recirculado ou não? Para que tipo de ambiente se é hospitalar ou administrativo. Na norma encontra-se orientações para diversos itens que devem ser observados”.

Os sistemas de climatização de quaisquer tipos de ambiente ligados à saúde devem obedecer aos critérios de necessidades, são muitos detalhes a serem observados pela engenharia e arquitetura, e que devem estar de acordo com a as exigências da NBR, para que atendam às necessidades das áreas.

O eng. Mário Alexandre destaca as áreas de controles de pacientes “ O grupo de trabalhou ficou muito tempo focado nos setores de quartos de pacientes imunocomprometidos, os quais tem que apresentar um ambiente protetor, isto é, um ambiente para que aquele paciente não seja afetado por condições ambientais adversas que prejudique a saúde dele, pois já se encontra com baixa imunidade. Por outro lado, também tem os quartos de portadores de doenças transmissíveis pelo ar, que são os quartos de isolamento, embora que o isolamento seja tanto para quem é imunocomprometido, quanto para portador de doenças transmissíveis pelo ar. Nesses casos os pacientes são protegidos também, mas a proteção principal é para que a contaminação não venha a ser transmitida para outros ambientes”.

Falando da qualidade do ar de um determinado ambiente, o mesmo tem de apresentar pressão positiva ou negativa do ar nas salas, este é um tópico que está ligado diretamente ao estado do paciente. Se o doente está contaminado é preciso filtrar o ar que sai da sala, mantendo pressão negativa para que o ar em circulação no quarto não saia do ambiente contaminado, transmitindo assim infecção a outras pessoas, nestes casos é usado filtro absoluto na saída do ar na exaustão. O mesmo procedimento se aplica para área de lavagens de instrumentos.

Agora se for o paciente que está com a imunidade baixa, ele precisa ficar em um ambiente protetor, que precisa ter pressão positiva, nestes casos, o ar de entrada deve estar limpo, filtrado por meio de filtro absoluto, e normalmente direcionado por meio de fluxo de ar quase que  unidirecional, para fazer com que o ar chegue até o paciente, e não fique circulando no quarto por conta da circulação de pessoas. Dentro deste tópico, o fluxo de ar tem um papel de extrema importância para todos, no caso da equipe de atendimento e visitantes devem usar máscaras, mas, o cuidado com o ar ainda requer cuidados, nestes casos o fluxo de ar permite ainda uma “lavagem” do ar, fazendo com que o ar exalado pelo visitantes da sala não entre em contato com o paciente, que necessita de proteção.

A filtragem de ar e os filtros ganharam um capítulo especial na revisão, notadamente a tecnologia no segmento de filtros avançou nos últimos 10 anos, por este motivo as tabelas estão sendo revistas, e serão anexadas a norma tabelas comparativas para facilitarem a escolha dos tipos de filtros, de forma que sejam os adequados ou os necessários para utilização em cada tipo de instalação.

De acordo com a Arq. Mônica, “a Norma também recomenda os limites de temperatura de bulbo seco e da umidade relativa do ar nos ambientes. Estes parâmetros são definidos em função das necessidades dos usuários, do uso dos ambientes e do controle ambiental para que não haja amplificação de microrganismos. Mônica chama atenção para o fato destes parâmetros influenciarem também no conforto térmico dos pacientes e dos profissionais da área da saúde.  Por exemplo, se o paciente se sente desconfortável com a temperatura no momento que ele está sendo preparado para cirurgia e na pré-anestesia, existe a possibilidade de desenvolver hipotermia durante a cirurgia, aumentando assim o risco de ele adquirir infecção. As condições de conforto devem ser pensadas também para que a Equipe médica para que desenvolva suas atividades com o melhor desempenho e de forma segura”.

Outro ponto observado na revisão, são os cuidados com a proteção de incêndios para estabelecimentos assistenciais de saúde. Até pouco tempo, as legislações não estavam muito claras sobre o assunto, mas, recentemente foi publicada a NBR 16651/2019, que aborda aspectos de proteção contra incêndio em EAS.

O eng° Martin conclui que “A sociedade espera que um ambiente de saúde esteja funcionando conforme determina a NBR. Que a qualidade do ar para cada uma das pessoas que se encontra no estabelecimento, esteja de acordo com a sua necessidade, e que o trabalho de revisão da norma seja válido para seu objetivo, que se faça cumprir a norma, de forma a garantir a qualidade do ar respirado por todos nestes ambientes”.

 

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